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VI Bienal de Gravura da Amadora
18 de Abril a 17 de Maio de 1998
SOCIEDADE NACIONAL DE BELAS ARTES

Depois de ter sido distinguido com o Prémio Juventude na III Bienal de Gravura da Amadora, António Canau (Espadinha) regressa após o seu intervalo londrino e recente “Master” da “Slade School of Fine Art”, e na gravura. Regressa convidado pela Sociedade Nacional de Belas Artes, assumindo, assim, por gosto e convicta escolha da instituição, a sua presença e colaboração nesta VI Bienal.

Da sua desejada e cumprida hibernação tecnológica e cultural na prestigiosa escola inglesa, poderia esperar-se, como tem acontecido com alguns artistas portugueses, uma mudança radical de propósitos, desde um acerto guloso por um horário supostamente internacional à desobediência desencantada dos seus próprios começos, a despeito mesmo de ganhos em contactos e da mais ampla performance oficinal.

O promissor fabricante de uma nunca vista imagem técnica embuidamente pagã, entre uma terra terrena e uma gestação celeste, corria esse perigo em terras de norte: o perigo do desvanecimento de um mundo de fábula por ele entrevisto e por ele perseguido. Assim, porém, não aconteceu. António Canau regressa ao seu espaço de nascimento e regressa trazendo porventura ainda mais férteis, ainda mais “existentes” as figurações da sua mistologia particular.
Dir-se-ia que leva todo esse tempo exterior a aperfeiçoar a visão, a corrigir o método, a cercar por todos os fios as possíveis imprecisões; as técnicas puras, ei-las aplicadas e dessa aplicação rigorosa ressurgem também depuradas as figurações da sua “reverie”, como vultos enxutos depois de um banho longo, ritualizado e lunar.

Nada perturbara o silêncio de pedra onde evolucionam. Estatuária icónica, prestes a tornar-se movente, mas vivendo ainda situada entre um crepúsculo propício e uma alvorada solar naquela indeterminação própria das metamorfoses, cujo lugar da passagem, lugar e tempo exactos da passagem, nunca nos é permitido conhecer. Antes de cada uma destas imagens estar concluída suspeitamos que terá havido um qualquer processo antecedente e tacteante e que as formas se foram repartindo, ora figurando, ora desfigurando-se, que do bloco iniciático, abrindo-se, se adoçaram nos perfis esquinados e quasi, se tornaram seres por força dos simbolismos da representação.

Nas águas primordiais, as do nascimento e prossecução da vida, serenas e suavemente luarentas, o “Swan Horse” impera como um deus antigo pousado no seu reino. Deus de pedra, como os conhecemos. O espaço é seu, o tempo é seu e tem-se a estranha impressão, vendo-o, tão quieto e no mesmo instante deslizando, que tudo nesta obra do gravador parte dele ou lhe vem dele. Ocupará na obra do artista o peso daquela peça a qual ele entregou, ou irá submeter, todas as outras; será ao mesmo tempo o domínio e a chave da obra.

E a vigilância nocturna, a poética da noite e a iluminação do dia em que ela se faz bela e constantemente, impulsiona, vivifica, é a fonte do cortejo mitológico que António Canau invente e remodela: outros seus trabalhos na sua epopeia mítica, entre o humano e o deificado: o Minotauro e a sua descendência flutuante ou o touro no habitat terreno, negro, másculo, forte, prestes à investida e à divinização. São como esparsas, povoando temporariamente um espaço e uma paisagem por assim dizer irreconhecíveis, por intemporais. Ou melhor, que estão para lá do concreto e, por isso, a sua verdade é só interior e indeterminável.

A técnica de gravador que já deu corpo a este mundo de imagens, onde os monstros tomam forma, é aliciante e tranquila, mas em última análise na sua transparência líquida ou subtileza aérea insinuantemente dominadora. Talvez que, para lá dos símbolos e arquétipos, resida aqui o mistério, o absoluto desta obra, nessa aliança inteligente entre um processo e uma intenção, entre uma expressão e uma ideia. Tal aliança é já em si uma conquista que dá à gravura de António Canau uma “allure” metafísica e uma ironia contemporânea que lhe compromete qualquer leitura simples.

Num mundo de medos, de profecias e de figurações mecânicas, de alucinações patéticas, como este que presentemente nos é oferecido, a obra presente e já emérita deste artista faz renascer toda uma linhagem em risco de esquecimento e que, a não persistir nos deixará face a nós mesmos irremediavelmente sós.

Fernando de Azevedo
Março 1998

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